Eis que mais um dia em Konoha estava por findar. A brisa serena e suave acariciava as ruas da vila com um sopro tão perene, tão cheio de paz que quase era possível sentir as mágoas e lembranças sendo carregadas para longe. O Sol, já baixo no céu, assumia um tom alaranjado que contrastava com as cores verde e azul do lago. Pouco a pouco a iluminação artificial da vila ia tomando o lugar do astro rei. Um típico fim de tarde da vila da Folha, crianças ao longe brincavam de roda ao som de uma cantiga débil qualquer, aos olhos pouco observadores seria até possível dizer que não havia defeito naquele lugar. Imperava a calmaria.

Mesma calmaria não imperava no coração e mente daquele rapaz. Kiyoshi ia caminhando a passos lentos pelas ruas da vila, sem demonstrar qualquer reação aos eventos exteriores a sua cabeça. Seus olhos nem sequer podiam contemplar a beleza das coisas que aconteciam à sua volta, em sua cabeça passava sempre a mesma cena repetidas vezes, memórias que tentava apagar, sentimentos que desejava não sentir, tudo em vão. Sabia disso, sabia que não havia nada a ser feito, deveria carregar aquele fardo sobre suas costas, por isso, apenas andava... que mais deveria fazer!?

Algumas lágrimas surgiam de repente em seus olhos e na mesma velocidade desapareciam. Era como se um turbilhão de emoções se passasse na mente daquele rapaz, tristeza, rancor, dor, revolta, tudo misturado numa grande tigela regada a ódio que crescia a cada dia que se passava, em especial pelo seu próprio clã e a administração podre deste.

No dia de seu aniversário de 07 anos, Kiyoshi viu seus pais pela ultima vez. Ainda conseguia sentir os lábios de sua mãe beijando sua testa, igualmente sentia a mão de seu pai a afagar seu cabelo. Não conseguia se lembrar exatamente quais foram as palavras que disseram, apenas sabe que saíram pela porta da frente e nunca mais retornaram. Desde então Kiyoshi esteve sob tutela dos líderes de seu clã. Viveu toda sua infância em uma situação miserável, por algum motivo que desconhecia, não lhe era permitido qualquer tipo de atividade, sua rotina diária resumia-se a ir para a academia shinobi e retornar para o clã no final da tarde. Talvez por isso o garoto nunca tenha arranjado alguma amizade.

Apesar de tudo, aquele era um dia diferente. Mais cedo Kiyoshi recebera uma convocação dos líderes de seu clã, deveria comparecer no Templo Aburame aquela noite para tomar uma decisão. Andava tão distraído que quando se deu conta já estava defronte às portas de entrada do templo. Parou bem ali naquele local, sua mente praticamente desligou naquele instante, passando uma retrospectiva do que acontecera na primeira vez que visitara aquele local alguns anos atrás.

Citação :

Quando se formou como gennin aos 09 anos, os líderes do clã finalmente revelaram qual era o verdadeiro plano que eles tinham em mente para o futuro do garoto. Naquele dia, Kiyoshi foi levado para o templo Aburame, lá as figuras mais icônicas do clã aguardavam impacientes por sua chegada, mandaram que o garoto se sentasse e começaram a conversar – Muito bem Kiyoshi, sabemos o que você tem passado nesses últimos anos desde o desaparecimento de seus pais, sabemos também que apesar de tudo você se esforçou na academia para alcançar sua formação de Gennin. – quem falava era o Sr. Toshiro, o velho líder do clã Aburame – Fico muito comovido, mas piedade não será realmente útil agora... até porque eu sei que não fui chamado aqui para que fossem prestadas condolências, então, se não se importa, gostaria que abreviasse nossa conversa indo direto ao ponto. – suas palavras eram rudes e irritadiças, mas não poderia evitar, realmente não estava nem um pouco interessado naquele papo furado. O velho franziu a sobrancelha e fechou ainda mais sua cara enrugada.

Você devia demonstrar mais respeito pelos mais velhos e líderes do seu clã, mas isso não vem ao caso agora. Como queira, vamos abreviar então nossa conversa. – Toshiro falava agora num tom pouco contente, ficara bastante insatisfeito com a grosseria do garoto – Como sabe, há muito tempo nossa terra foi devastada pelo poder das criaturas de caudas, as bijuus. Felizmente esse poder foi controlado e, atualmente, a grande parte das bijuus está sob o domínio da nossa vila. Nosso clã foi parte essencial nisso, firmamos um acordo com a Folha e temos o poder do espírito da areia, Shukaku, o bijuu de 1 cauda. – prosseguia o homem. Seria o tipo de informação que deixaria a maioria espantado, mas Kiyoshi parecia não se abalar com aquilo, na verdade já podia imaginar aonde aquela conversa iria chegar e de certa forma aquilo o agradava. Não tinha mais qualquer preocupação com a sua própria vida e muito menos alguma esperança de que algo poderia mudar para melhor, tudo o que queria era descobrir o que acontecera com seus pais e tinha consciência de que quanto mais poder tivesse melhor seria.

Deixe-me adivinhar, o selo está enfraquecendo, assim como o senhor, por isso precisam de alguém para servir como hospedeiro da criatura. Alguém que esteja sob total controle do clã, alguém que não possa se defender contra as decisões arbitrarias tomadas wpelos chefões, alguém como eu, afinal, quem poderia ser melhor do que um garoto abandonado pelos pais que vive sob tutela absoluta do clã!? Estou errado? – o gennin tratou de abreviar ainda mais aquela conversa, não estava com paciência para papo furado, mas sua atitude parecia não agradar nem um pouco os líderes ali presente – Já basta Kiyoshi. Você ainda não está preparado para isso, está claro. Nós precisamos sim de alguém que possa se tornar o Jinchuuriki da Ichibi, mas não vamos forçar ninguém a nada. Tudo o que pensamos é em prol de Konoha. De todo modo, você não foi convocado hoje para isso, só queríamos deixar você ciente do que está por acontecer, na hora certa nós voltaremos a te chamar, até lá pense bem se você vai aceitar ou não fazer parte disto. É o suficiente por hoje. – quem falava agora era a senhora Mitiko, encerrando aquela conversa que certamente não levaria a lugar algum. Kiyoshi apenas balançou a cabeça positivamente e saiu.

Enfim aquele dia havia chegado, lá estava o Gennin mais uma vez, agora com seus 12 anos de idade. Já tinha uma resposta para dar, muito embora ele soubesse que não teria outra escolha. Abriu as portas do local e pôs-se a andar por um extenso corredor. O silencia absoluto imperava naquele local, somente era possível ouvir os passos do rapaz ecoando pelo corredor pobremente iluminado por tochas que queimavam alguma espécie diferente de madeira, exalando um cheiro agradável que tomava conta do lugar. Abriu outro portal no fim daquele corredor revelando um amplo salão.  Ali estavam novamente o Sr. Toshiro e a Sra. Mitiko, aparentavam estar ainda mais velhos e abatidos que da ultima vez que os vira. Desta vez os demais líderes e influentes do clã não se faziam presentes, mas haviam seis shinobis naquele local, completamente cobertos por uma longa capa e um capuz que tornava impossível ver seus rostos.

Nos encontramos novamente Kiyoshi-san, ficamos contentes por você ter vindo esta noite. Entretanto, precisamos de uma resposta definitiva e breve, como pode ver, manter o selo da criatura fora de um corpo tem nos custado muito, envelhecemos nesses 3 anos o normal esperado para 10 anos. – começou a falar a senhora Mitiko – Como já havíamos dito no nosso primeiro encontro, a decisão está em suas mãos, mas para o bem da vila é necessário que você nos dê a resposta agora. – completou o senhor Toshiro. Kiyoshi não hesitou, estava tranquilo quanto à sua decisão, tinha plena consciência dos riscos e males que aquilo trariam para ele, mas estava disposto a assumir o risco se este fosse necessário para que cumprisse seu objetivo.

Pois bem, eu já tomei minha decisão. Eu aceito me tornar o Jinchuuriki da Ichibi, que seja feito conforme a vossa vontade. – nenhuma palavra mais foi dita naquele local. Os líderes do clã não esconderam sua satisfação com a atitude do rapaz, se entreolharam e sorriram para Kiyoshi demonstrando sua aprovação, não que isso fizesse alguma diferença para o garoto. Num único sinal feito pelo senhor Toshiro, os seis shinobis ali presentes encaminharam o Gennin para o centro de um altar que fora preparado. Toshiro e Mitiko deixaram o local e a grande porta metálica foi lacrada com um fuuin.

Iniciou-se finalmente o processo para selar a Bijuu no corpo de Kiyoshi. Os shinobis se posicionaram ao redor do altar em que o rapaz estava deitado, agrupando-se na forma de um hexágono. Naquele instante mais dois shinobis apareceram no local por um lugar que parecia ser uma entrada secreta ou algo assim, carregando consigo um grande jarro coberto por selos e escrituras, caminharam para próximo do rapaz e deixaram aquela urna no chão. Kiyoshi deduziu que aquela era a prisão provisória do Ichibi e que brevemente seria ele seu hospedeiro definitivo.

Não havia mais tempo a perder, os fuuin-nins iniciaram a técnica de transferência realizando simultaneamente uma sequencia de selos com as mãos. De seus pés saíram kanjis que começavam a se espalhar pelo chão, ligando-se uns aos outros e avançando na direção  do altar até cobrir o corpo de Kiyoshi. Após, estas escrituras avançavam pelo chão na direção da urna, até cobrirem-na completamente. Feito isso uma cúpula massiva de chakra se formou ao redor de todos eles.

A fase preparatória estava terminada. Os shinobis então executaram novamente um outro selo com as mãos e proferiram o nome do jutsu, o qual Kiyoshi não foi capaz de compreender. Imediatamente uma massa de puro chakra começou a emanar do jarro se espalhando pelas escrituras que ligavam este com Kiyoshi. O processo de transmissão estava iniciado, assim que a primeira dose daquele chakra invadiu o corpo do rapaz, ele sentiu como se uma brasa viva estivesse queimando seu corpo por inteiro. A dor era indescritível, completamente diferente de tudo o que ele já havia sentido até o momento. Não podia evitar, gritava de dor e tentava se mover a qualquer custo, mas estava completamente preso àquele altar. Aquela queimação estava a leva-lo a insanidade, não tinha mais nada em sua cabeça, até mesmo as memórias de seus pais foram apagadas naquele momento, dando espaço somente para aquele sofrimento torturante. Perdera completamente a noção da realidade e do tempo, estava totalmente fora de si.

Os minutos foram se passando e o processo ainda estava em andamento, até que finalmente, cerca de meia hora de iniciado, a ultima porção do chakra do Ichibi foi transferida para o corpo do rapaz. Este já não se gritava nem se debatia mais, estava inconsciente, mas ainda estava vivo. Tudo o que podiam fazer agora era esperar para saber se o corpo de Kiyoshi teria suportado aquele processo de selamento, foi o que fizeram.

De repente aquela dor insuportável parou, mas não só ela, tudo ali havia cessado, os gritos, os movimentos, o chakra correndo pelos fuuins e adentrando ao corpo de Kiyoshi, a agitação entre os fuuin-nins, tudo havia parado, somente aquela barreira massiva de chakra ao redor deles perdurava. Restava saber o corpo teria suportado ao procedimento e se o espírito do rapaz seria forte o suficiente para suplantar a fúria devastadora de um bijuu. Ao que parecia, o processo fora um sucesso, entretanto outra batalha estava sendo travada dentro da mente do Gennin, estava tudo em suas mãos.

Abriu seus olhos com alguma dificuldade, sua visão estava embaçada e turva. Arriscou um impulso para se levantar, mas uma dor aguda despontou em sua cabeça ao menor dos movimentos. Largou seu corpo no chão novamente, ainda estava tonto e não havia recobrado totalmente sua consciência. Estirado ao chão, o jovem concentrou sua mente na tentativa de lembrar-se o que havia acontecido, estabilizou sua respiração e novamente tentou impulsionar seu corpo para frente. A dor voltou ainda mais forte, mas ao menos o garoto estava agora sentado, ainda tentando ligar os fragmentos de memória que lhe surgiam.

Ainda não conseguia enxergar muita coisa, mas aos poucos tanto sua mente quanto visão foram ficando mais nítidas. O ambiente era bastante árido, além disso, um vento forte soprava continuamente levantando a poeira do ambiente, dificultando a visão do shinobi. Forçou sua vista o máximo que pôde, ao longe ele podia ver dois pontos brilhantes e amarelados  no céu, era a única pista que tinha até o momento. Determinado, o garoto levantou e pôs-se a caminhar na direção daqueles pontos brilhantes, mas o vento ficava ainda mais intenso conforme ele se aproximava daquele local.

Quando estava quase chegando ao seu destino um urro, que mais se assemelhava a uma gargalhada, ecoou no local. Como um estalo, as memórias de Kiyoshi foram recobradas, tinha agora plena consciência de onde estava e do que acontecera. Estava dentro de sua própria mente, e aqueles pontos amarelos brilhantes eram nada menos que os olhos de Shukaku, a bijuu que acabara de ser selada em seu corpo. Correu ainda mais na direção da prisão da besta, até que finalmente chegou às portas da cela que o separavam de uma provável e dolorosa morte. Em sua frente estava a poderosa Ichibi, ou Shukaku, esta não parecia nada contente com sua situação de aprisionamento, enfim, nada além do esperado de uma Bijuu. Kiyoshi porém não se deixou abalar, ao menos não deixou transparecer isso, fixou seu olhar com o olhar da Ichibi e aguardou qualquer manifestação.

- Hyaaahahahahahaha!!! Novamente a história se repete, cá estou eu de novo selado num corpo frágil de um ser humano medíocre. Vocês shinobis nunca aprendem com o seus erros, saiba que não estou contente com isso garoto, mas devo admitir que será muito mais fácil escapar de uma criança do que daquele maldito pote onde me espremeram durante todos esses anos! – Shukaku gritava seu discurso em meio a suas gargalhadas, era até engraçado ouvir aquele enorme Tanuki gordo falando aquelas coisas enquanto ria. Sem dúvida era o mais debochado de todos os bijuus.

- Ora se não é a Reencarnação do Espírito da Areia que está aqui diante de mim, ou simplesmente, Shukaku, se assim preferir. Acho que você deve concordar comigo que, assim como os humanos, vocês bijuus nunca abandonam antigos hábitos, certo!? – respondeu Kiyoshi num tom comedido – Do que estás a falar garoto? Como ousa comparar os humanos com nós bijuus, isto é uma ofensa! Caso ainda não tenha notado eu estou dentro de você e pretendo devorar sua mente e sentimentos até que eu possa assumir o total controle! – dizia Shukaku, que não parecia muito contente com as palavras do Gennin – É exatamente disso que eu estou falando, Shukaku. Bijuus e suas ameaças contra seus Jinchuurikis, um péssimo hábito que acredito que deveriam abandonar. De qualquer forma, você não é a única criatura que vive dentro de mim, desde meu nascimento os insetos habitam sob a minha pele, portanto não se sinta exclusiva neste corpo. Quanto a devorar meus sentimentos, tenha cuidado, pois o gosto pode não te agradar, já minha mente, posso te garantir que ela não será de fácil acesso. Não deveria generalizar todos os seres humanos, não sou do tipo que se submete aos riscos de ter uma Bijuu presa em meu corpo sem conhecer a fundo os reais riscos que eu corro, diferente de você não tomo decisões tolas e impensadas. – Kiyoshi falava com seriedade, mantinha contato visual fixo com Shukaku, queria ganhar confiança e credibilidade com Ichibi.

-Gyyaaaahahahahahahaaha!! Há muito eu não me divertia tanto. Devo admitir que vocês humanos tem uma peculiar característica de me entreter. Quer dizer que este é o seu jeito ninja de ser?! Gyaaahahahahahaa!! – Shukaku era com toda certeza um bijuu extremamente gozador, seu humor contudo era sádico e escondia uma sede iminente por sangue – Um bijuu tão experiente quanto você não deveria acreditar nessas bobeiras, Shukaku. Eu não tenho um jeito ninja de ser, apenas sou e faço conforme meus interesses e, atualmente, será muito útil e agradável ter a sua companhia e poder e, convenhamos que você não está em condições de escolher muita coisa no momento. – talvez Kiyoshi estivesse se arriscando um bocado falando desta maneira com uma criatura tão poderosa, ainda mais estando ela vivendo dentro dele, mas era um risco que ele estava disposto a correr.

-Sabe garoto, você é um tanto diferente dos demais, curioso e intrigante, eu diria. Não sei ao certo, mas tem algo em você que me chama atenção, ou talvez seja só essa vontade que eu tenho de mastigar todos os teus ossos. Bem, acho que podemos conviver um com o outro, pelo menos até que eu decida o que farei contigo. – respondeu Shukaku, para surpresa do Aburame – Que seja feito conforme a tua vontade, gracinha. Mas chega de papo por agora, voltamos a nos encontrar em breve, eu espero. – encerrou Kiyoshi. Assim foi feito, não era possível chamar aquilo de um “acordo” propriamente dito, estava mais para uma tolerância, mas já era um começo.