Tinha os passos em um ritmo suficientemente necessário para permitir que Ruller continuasse imediatamente atrás dela. Mantinha os olhos atentos para o nada que a escuridão proporcionava. Se não conhecesse muito bem aquele terreno tão familiar do País do Fogo, provavelmente encontraria dificuldades em seguir por ali.

O pequeno ao seu lado enfim passou a se manifestar. Ainda bem, porque uma viagem silenciosa seria bem monótona. Ele tinha a curiosidade sobre alguns procedimentos que outrora deve ter ouvido falar, ou mesmo aprendido.

- Nono e décimo princípios: um shinobi é sempre leal com sua vila, pensando primeiro nela, nos outros e por fim em si próprio. - ela enunciou para ele, virando o rosto por algum momento para olhá-lo de esguelha - Sua vila não é um fardo, é uma honra. Se eles nos conhecem, ótimo, sabemos que de uma forma ou de outra pelo menos estamos tendo nossos feitos notados pelo mundo, não é?! - lançou um meio sorriso para quebrar a seriedade - Só é aconselhável deixar de portar o símbolo da tua vila quando isso realmente for algo necessário e inevitável, como em uma missão de infiltração ou coisa parecida... No mais, não tenha medo, você está comigo. - auto confiança, uma característica bem aprimorada por Koihime de uns tempos para cá. Voltou a olhar para frente, dando mais alguns saltos bem compridos - Não sei você, mas eu gosto de usar uma dessas. - apontou para o topo da cabeça, onde a bandana tomava a posição do chapéu de kage, servindo de tiara para as longas madeixas loiras da kunoichi.

Koihime parava em alguns momentos, gesticulando para que Ruller fizesse o mesmo. Estáticos, ela concentrava-se para ouvir e enxergar. Uma ou duas vezes eles deixaram de seguir uma linha reta para fazer uma curva à esquerda, depois à direita. O trajeto já se estendia por mais trinta minutos, no mínimo.

- Acho que a essa altura já contornamos a fronteira de Otafuku Gai. - ela parou novamente, desta vez olhando para cima e para trás - Vê?! - apontou a Lua para Ruller - A Quarto Minguante está atrás de nós, indicando o Norte, e que provavelmente estamos por volta das 21 horas... Precisamos achar o litoral e arrumarmos um canto seguro para dormir. Não é prudente entrar em território desconhecido à noite, aprenda! Por isso não podemos partir ao terreno do outro agora, só pela manhã. Vamos! - voltou a saltar entre árvores - Também, esteja ciente de que um bom shinobi usa a natureza como sua aliada, sempre, é uma lição! - completou.

Caminhavam a passos largos, sendo que para já a kunoichi não pareceu demonstrar maiores preocupações com o caminho que seguiam. Seu conhecimento de área lhe permitia saber que para além da cidade comentada, não tinham mais lugares amontoados ao extremo Sul do País do Fogo. Sendo assim, no máximo poderiam se surpreender com uma moradia aqui e ali, mas não uma cidade inteira.

Ruller ainda parecia bastante acordado, o que era um ponto positivo, afinal ele ouviu o conselho dela de descançar e se preparar antes de encontrá-la no gabinete, no início da noite. O ânimo do rapaz estimulava uma curiosidade pertinente, por acaso ligada aos comentários da líder, dando seguimento a um diálogo bem agradável.

- Conheço por alto, nada específico. Talvez um pouco de lendas e comentários soltos... Dizem ser um caminho dificílimo de trilhar, e que poucos passam por esse mundo portando a honra de conquistar tamanha sintonia com a natureza elemental. - calou por curtos segundos, os quais levou para refletir e conectar os fatos, a pergunta de Ruller e o caminho que estavam fazendo agora - Deve ser um grande desafio para um shinobi conquistar algo assim, mas em compensação, o respeito e o poder que isso traz deve ser proporcional às dificuldades, não acha? É a lógica, não?

Pelo pouco que sabia, tirava suas próprias conclusões, ao ponto inclusive de chegar a refletir mais uma vez se tinha feito a escolha certa, ontem, em pouco tempo de diálogo com o menino... talvez sim, talvez não... devia consultá-lo? Era o destino dele em jogo, afinal... Será que aceitaria? Não... que fique para depois, ainda era cedo para ele então poderia sempre contar com a idéia de não ir adiante...

- Acho que não sou capaz de falar mais sobre isso. O que sei é pouco, melhor não arriscar dar informações erradas.- era uma meia verdade, afinal ela tinha sim algum conhecimento pouco maior do que só aquilo que disse, mas preferia deixar para depois. As coisas viriam aos poucos, tudo ao seu tempo.

A trilha seguiu por pouco tempo, o suficiente para dar para ouvir o som do mar que corria em algum lugar ao lado direito deles. Koihime reduziu a velocidade, voltando a caminhar ao invés de correr. Tornava a assumir a posição observadora, analisando tudo ao redor. Parou num ponto onde as árvores estavam pouco espaçadas, o suficiente para abrir uma clareira de pelo menos uns dez metros de raio ali no meio da floresta.

- Ficamos aqui. Não podemos ficar muito próximos do litoral, para não corrermos o risco de uma visita inesperada pelo mar. Quanto ao lugar na floresta, é difícil de definir. Pode ser seguro dentro da mata, por estar menos à vista de quem quer que passe. Porém, pode ser mais arriscado para sermos emboscados, e vai dificultar qualquer reação imediata, já que lá dentro está mais escuro. Acho que aqui está bom, a luz do luar nos dá algum campo de visão. - falava em tom explicativo, tentando ensiná-lo algo a respeito de sobrevivência básica - Pode ir se ajeitando por aí para dormir. Vou providenciar uma fogueira para nos aquecer e afastar alguns animais. Fique sossegado, eu permaneço de guarda durante a noite. - tinha um jeito preocupado, afinal estavam só os dois e ela pretendia repassar o máximo de segurança de que o pequeno precisasse para se sentir confortável.

Com alguns galhos e duas kunais para provocar fagulhas ela acendeu uma fogueira. Ruller deu algum jeito próprio de se confortar por ali, enquanto a própria Koihime retirou da bolsa um agasalho verde escuro, cobrindo-se com ele e deitando-se no tronco de uma árvore próxima. Tinha os olhos voltados para o céu, contemplando as estrelas. Havia algum tempo que ela não sentia essa proximidade com a natureza bruta... isso lhe fazia bem.

No fundo ela ainda conseguiu descançar, rendendo-se a algumas horas de sono quando a madrugada entrou. Assim que o sol começou a se mostrar ela levantou. A fogueira já estava apagada, Ruller ainda dormia. Com selos de mãos muito conhecidos seus, depois de marcar a mão com o próprio sangue ela conjurou. O imenso morcego negro veio prontamente, surgindo após uma nuvem de fumo branco. Ela o cumprimentou e ordenou para que ficasse ali com Ruller.

Naquelas condições a kunoichi levou alguns minutos dentro da floresta, buscando alimento para os dois. Quando retornou, o pequeno estava despertando, talvez nem tivesse notado a saída dela. Ali próximo da fogueira ela improvisou uma arrumação das frutas que arrumou para comerem.

- Partimos depois do café. Bom apetite! - disse para o menino.

Comeram com satisfação. Para a sorte dos dois os campos do País do Fogo tinham uma vegetação bem característica, o que incluía muitas árvores com frutas bem suculentas e tudo o mais. Quando bem alimentados eles partiram. Pelo céu, nas costas de Tsubasa, cruzariam o oceano rumo à uma das ilhas mais próximas, onde Koihime ouvira as referências do que buscavam... inclusive, recentemente mandara um de seus times para lá, justo porque outro shinobi da Aldeia almejava o mesmo.

O resto do rumo da viagem iniciou tranquilo. Ruller pareceu ter usado bem o breve cochilo que tirou e agora estava um bocado disposto a seguir com aquilo. Tinha uma boa resistência o menino, há de se admitir... E ainda bem, imagine que trágico seria para Koihime ter que carregar dois nos ombros?!

Percebeu a aproximação ligeira e eficaz do Gennin, desacelerando seus próprios passos para poder acompanhá-lo como ele desejava, olhando-a nos olhos. Observou-o com curiosidade já que ele pareceu inclinado a falar. E falou.

Um discurso com palavras sinceras e verdadeiras, ela identificou da parte dele. Falava de sua afeição, alegria e até seus receios de curto e longo prazo. Era bom ouvir aquilo, os pontos positivos e os negativos, ambos faziam bem.

Positivamente, a idéia de que ele tivesse identificado o elo que se estabeleceu entre eles foi gratificante, pois significava que ele também correspondia àquilo que agora se transformava numa via de mãos duplas.

Por outro lado, os receios dele também eram pertinentes, tendo em conta a posição atual na qual se encontrava. Era bom que usasse de sinceridade para expressar aquelas preocupações, porque de que outra forma ela poderia identificar as causas das pequenas aflições do menino, para então tentar tranquilizá-lo da melhor forma que lhe cabia?!

É um fato confessável que ela custou certo tempo para assimilar aquilo, afinal há um longo tempo não ouvia palavras com aquele teor. O tempo que tomou foi o necessário para o rapaz voltar à sua posição normal, eles prosseguiram por mais um tempo e ao avistarem a vila ela tomou o fôlego necessário para retribuí-lo com a resposta que provavelmente estava esperando.

- Ruller?! - tornou a puxar assuno - Não se preocupe em corresponder às minhas expectativas. Digo isso porque, bem, simplesmentes os meus anseios são também os teus. Estou aqui pra isso... minha expectativa é te ajudar a atingir o melhor de ti, não o que eu penso ser o melhor. Por isso, esteja bem com você, com a realização de seus objetivos, e aí eu estarei tranquí-la. - como ele estava ao seu lado, olhou-o para lançar um sorriso compreensivo e seguro - E, olha, não estaria sendo justa contigo se não admitisse. Gosto de ti. Me chamou atenção desde o início. - tinha seu tom de voz suave como sempre - Você já me surpreendeu um bocado, mesmo em pouco tempo. E... bem, se não fosse por você aparecer e me fazer perceber uma outra perspectiva para a vida, a uma hora dessas eu estaria lá sentada naquele gabinete me preocupando com papéis, ao invés de estar aqui, vivendo! - gargalhou porque lhe veio a sensação de ter as nádegas comprimidas o dia todo naquela grande poltrona - Obrigada por isso. - agradeceu, ainda mantendo o largo sorriso de quando ria.

Os muros de Konoha se aproximaram. Os seguranças tiveram alguma surpresa com a cena de Koihime entrar por ali, naquela hora, carregando um morto e um menino com vestes rasgadas e ensanguentadas... Ainda assim, ela não deu muitas explicações, apenas os cumprimentou com um "Boa noite", um sorriso, e deixou-os cheios de dúvidas enquanto cruzava a entrada rumando para a cidade...

- Nós vamos direto ao hospital, está me ouvindo?! - não era bem um tom de ordem, mas sim repreensivo, já que via os olhos dele brilharem para as menores distrações na vila, e ainda assim ele precisava tratar de seu ferimento.